A Santa Igreja Católica não tem a responsabilidade de fundamentar suas crenças exclusivamente na Bíblia, uma vez que a doutrina do ‘sola scriptura‘ pertence unicamente ao protestantismo. Apesar disso, ainda é possível validar certos aspectos da fé católica através das Escrituras, algo que será explorado a seguir. No entanto, para compreender adequadamente o nascimento de Jesus Cristo, é essencial primeiro ter uma compreensão clara do calendário judaico.
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Calendário Judaico
Vejamos a seguinte tabela:
Mês | Número de dias | Mês Equivalente |
---|---|---|
1 – Nisã | 30 | Março – Abril |
2 – Iyar | 29 | Abril – Maio |
3 – Sivan | 30 | Maio – Junho |
4 – Tammuz | 29 | Junho – Julho |
5 – Av | 30 | Julho – Agosto |
6 – Elul | 29 | Agosto – Setembro |
7 – Tishrei | 30 | Setembro – Outubro |
8 – Heshvan | 29/30 | Outubro – Novembro |
9 – Kislev | 29/30 | Novembro – Dezembro |
10 – Tevet | 29 | Dezembro – Janeiro |
11 – Shevat | 30 | Janeiro – Fevereiro |
12 – Adar | 29/30 | Fevereiro – Março |
13 – Adar II | 29 | Março – Abril |
O calendário judaico opera de uma forma única, começando seu primeiro mês com Nisã (também conhecido como Nissan ou Nisan), que cai entre março e abril. Este é o período da celebração da Páscoa judaica. Curiosamente, o Ano Novo Judaico, conhecido como Rosh Hashaná, é comemorado em Tishrei, que ocorre entre setembro e outubro. Este calendário se baseia nos ciclos lunares, com cada mês iniciando na lua nova. Um ciclo lunar completo tem duração aproximada de 29 dias e 12 horas, levando os meses judaicos a alternarem entre 29 e 30 dias. Essa estrutura é similar, de certa forma, ao calendário Gregoriano, utilizado por nós, que tem meses variando entre 28, 29, 30 e 31 dias.
O ano judaico é peculiar em sua estrutura temporal, variando entre 353 e 355 dias, sendo mais comum ter 354 dias. Isso resulta em uma diferença de aproximadamente onze dias em relação ao ano solar. Para ajustar essa discrepância, o calendário judaico incorpora periodicamente um mês adicional, chamado Adar II, um mês embolísmico (intercalar). Este acréscimo acontece aproximadamente a cada três anos, compensando a diferença acumulada de onze dias que, nesse período, equivale a cerca de um mês. Para alinhar completamente o calendário lunar judaico com o calendário solar, é necessário um ciclo de 19 anos. Esse ciclo é cuidadosamente calculado para que, ao final dele, os Anos Lunares e Solares iniciem simultaneamente, sem qualquer descompasso temporal.
Data em que Jesus nasceu
Com base nesse entendimento do calendário judaico, é possível empreender uma jornada para determinar a data do nascimento de Jesus Cristo conforme descrito nas Escrituras. O primeiro passo nesse processo é estabelecer a data de nascimento de São João Batista. Uma vez que essa data esteja determinada, ela pode ser utilizada como um ponto de referência para calcular a data do nascimento de Cristo. Essa abordagem requer uma análise cuidadosa dos textos bíblicos e uma compreensão do contexto histórico e cultural em que esses eventos ocorreram.
No livro de São Lucas 1,5, é mencionado que Zacarias, o pai de João Batista, pertencia à “classe de Abias”. Esta classe é uma das vinte e quatro divisões sacerdotais estabelecidas no Templo de Jerusalém, como indicado em Neemias 12,17. Cada classe sacerdotal tinha a responsabilidade de servir no Templo por uma semana, duas vezes ao ano. Portanto, a classe de Abias, sendo a oitava no ciclo, servia durante a oitava semana e novamente na trigésima segunda semana do ano. Este detalhe histórico fornece uma referência temporal específica, que pode ser usada para calcular os eventos significativos na vida de figuras bíblicas como Zacarias e, por extensão, seu filho João Batista.
Destruição de Jerusalém
Com base na informação do livro de Josef Heinrich Friedlieb, “Leben J Christi des Erlösers” (Münster, 1887, p. 312), podemos entender que durante a destruição de Jerusalém, que ocorreu no nono dia do mês judaico de Av, a classe sacerdotal de Joiarib estava servindo no templo. Esse dado histórico nos permite deduzir que a classe de Abias, à qual São Zacarias pertencia, teria desempenhado seu serviço durante a segunda semana do mês judaico de Tishri, que é a semana da Expiação.
Correlacionando isso com o nosso calendário Gregoriano, o Dia da Expiação judaico (Yom Kippur) ocorre entre 22 de setembro e 8 de outubro. Assim, se Zacarias estava servindo no templo durante esse período, podemos usar essa informação para calcular eventos subsequentes relacionados à vida de São Zacarias e, por extensão, ao nascimento de São João Batista e Jesus Cristo, conforme descrito nas escrituras.
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Se considerarmos que Zacarias e Isabel conceberam João Batista logo após o serviço de Zacarias no templo, na classe de Abias, chegamos à conclusão de que a concepção de São João Batista ocorreu por volta do final de setembro. Com isso em mente, e levando em conta a duração normal da gravidez humana, podemos inferir que o nascimento de São João Batista teria sido no final de junho do ano seguinte.
Esta inferência está em harmonia com a celebração litúrgica da Natividade de São João Batista, que é observada em 24 de junho. Essa data é tradicionalmente reconhecida no calendário litúrgico cristão e reflete essa cronologia derivada dos eventos descritos nas escrituras e interpretados por meio do estudo do calendário judaico e de registros históricos.
Em São Lucas 1,36, quando o Anjo Gabriel fez a Anunciação a Nossa Senhora, ele mencionou que Isabel já se encontrava no sexto mês de gravidez.
“Também Isabel, tua parenta, até ela concebeu um filho na sua velhice; e já está no sexto mês aquela que é tida por estéril, “
São Lucas 1, 36
Se considerarmos que São João Batista foi concebido em setembro, avançando seis meses, chegamos a março. Portanto, segundo esta linha de tempo, Nossa Senhora teria concebido Jesus em março. Levando em conta uma gravidez de duração normal, que dura cerca de nove meses, e começando a contar a partir de março, que é o terceiro mês do ano, a soma nos leva a dezembro. Assim, de acordo com este cálculo, o nascimento de Jesus ocorreria em dezembro.
Protoevangelho de Tiago
O Protoevangelho de Tiago, um texto do segundo século, identifica Zacarias como um sumo sacerdote e o associa ao Dia da Expiação. Esse dia cai no décimo dia do mês hebreu de Tishrei, o que se aproxima do final de setembro no nosso calendário. Seguindo essa narrativa, Zacarias e Isabel teriam concebido João Batista logo após a entrada de Zacarias no templo e o anúncio do Anjo Gabriel. Considerando as quarenta semanas típicas de uma gestação, isso situaria o nascimento de João Batista no final de junho. Esta cronologia coincide e reforça a data de 24 de junho, tradicionalmente celebrada na Igreja Católica como o Nascimento de São João Batista.
De acordo com São Lucas 1,24-27,36, João Batista era seis meses mais velho que Jesus Cristo. Assumindo que João Batista nasceu em 24 de junho, adicionando seis meses a essa data, chegamos a 24-25 de dezembro como a data provável para o nascimento de Cristo. Além disso, subtraindo nove meses de 25 de dezembro, que é a duração típica de uma gravidez, chegamos a 25 de março, a data da Anunciação. Estas datas se alinham perfeitamente com o calendário litúrgico católico tradicional.
Portanto, se aceitarmos que João Batista foi concebido logo após o Dia da Expiação judaico, as datas católicas tradicionais para o nascimento de João Batista e Jesus Cristo, assim como a data da Anunciação, são corroboradas e parecem ser historicamente plausíveis. Desta forma, a data de 25 de dezembro como nascimento de Cristo é reforçada por este raciocínio.
Algumas mentiras
De fato, a análise detalhada das datas relacionadas ao nascimento de João Batista e Jesus, com base nas escrituras e no entendimento do calendário judaico, ajuda a contestar algumas teorias populares encontradas em sites de “curiosidades” na internet. Uma dessas teorias é a ideia de que a data de 25 de dezembro, escolhida para celebrar o nascimento de Cristo, foi estabelecida para substituir o festival pagão romano da Saturnália.
Essa teoria, embora amplamente divulgada, não encontra sustentação sólida quando contrastada com a análise bíblica e histórica. Como visto, a data de 25 de dezembro pode ser derivada de uma interpretação cuidadosa de eventos bíblicos e do calendário judaico, e não necessariamente de uma tentativa de cristianizar festivais pagãos. Essa compreensão oferece uma perspectiva mais fundamentada e respeitosa das tradições e crenças religiosas, diferenciando-as de simplificações ou teorias infundadas comuns em algumas fontes da internet.
A crença de que o Natal foi estabelecido pela Igreja Católica para substituir a Saturnália, um festival pagão romano, é um equívoco comum. A Saturnália, de fato, era um festival de inverno celebrado em honra a Saturno, começando em 17 de dezembro e estendendo-se até 23 de dezembro. O solstício de inverno, frequentemente associado à Saturnália, normalmente ocorre em 22 de dezembro. Portanto, a data de 25 de dezembro para o Natal não coincide diretamente com o período da Saturnália ou do solstício de inverno.
Além disso, registros históricos indicam que a celebração do Natal em 25 de dezembro já era observada antes da conversão do Imperador Constantino e da adoção do Cristianismo como religião oficial do Império Romano. Por exemplo, Papa São Telesforo, que reinou de 126 a 137 d.C., estabeleceu a tradição da Missa do Galo na véspera de Natal. Outro exemplo é Teófilo, bispo de Cesareia na Palestina, que viveu entre 115 e 181 d.C., já citado na “Magdeburgenses, Cent. 2, c. 6” e por Hospinian em “De Origine Festorum Christianorum”, como defendendo a data de 25 de dezembro como o aniversário de Cristo.
Esses exemplos históricos demonstram que a escolha de 25 de dezembro como o dia de celebração do nascimento de Cristo tem raízes mais profundas na tradição e história cristãs, e não é meramente uma substituição de um festival pagão.
Portanto, Jesus realmente nasceu em 25 de dezembro.
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