Não existem 4 temperamentos, isso é pseudociência!

. Atualizado: 9/09/2023 às 02h:25
Não existem 4 temperamentos.
Foto: Mathias Ribeiro

No vasto campo das teorias de personalidade, a “teoria dos 4 temperamentos” se destaca como uma das abordagens mais populares, mas também como uma das mais questionáveis em termos científicos. No cerne dessa teoria está a ideia de que os seres humanos podem ser categorizados em quatro tipos distintos de temperamentos: colérico, melancólico, fleumático e sanguíneo. No entanto, a análise crítica e a falta de embasamento científico tornam essa teoria uma pseudociência, cujos riscos e consequências para a compreensão da complexidade humana devem ser devidamente avaliados.

A teoria dos quatro temperamentos é uma concepção antiga que remonta à Grécia Antiga e que se desenvolveu ao longo da história como uma forma de compreender e classificar as personalidades humanas com base em padrões comportamentais e traços psicológicos predominantes. Essa teoria sugere que as pessoas podem ser agrupadas em quatro categorias distintas, conhecidas como temperamentos, com base na quantidade de fluidos corporais que uma pessoa possui (sim, era assim que se definia o temperamento na Grécia Antiga).

Os quatro temperamentos são distintos em suas características predominantes. O colérico é enérgico e assertivo, muitas vezes liderando com determinação, mas pode ser impaciente. O melancólico é sensível, perfeccionista e empático, mas pode ter tendência à tristeza. O fleumático é calmo, equilibrado e bom em resolver conflitos, mas pode parecer distante emocionalmente. O sanguíneo é sociável, otimista e enérgico, embora possa ter dificuldade em manter o foco. Cada um possui traços únicos que influenciam sua personalidade e comportamento.

A Ausência de Evidências Científicas

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Um dos principais pilares da ciência é a capacidade de testar e validar teorias por meio de evidências empíricas. No caso da teoria dos 4 temperamentos, a ausência de estudos acadêmicos robustos que confirmem a existência desses quatro tipos distintos de personalidade é notável. Enquanto teorias de personalidade mais estabelecidas, como a “Teoria dos traços de personalidade” (Cinco Grandes Fatores ou Big Five), têm evidências sólidas que as sustentam, os 4 temperamentos carecem desse respaldo científico.

A validade de uma teoria repousa sobre a capacidade de ser testada e confirmada através de métodos rigorosos e dados observáveis. No entanto, quando se trata da teoria dos Quatro Temperamentos, a carência de estudos robustos e replicáveis tem gerado uma lacuna no corpo de conhecimento da psicologia. Enquanto teorias como a Teoria dos traços de personalidade têm sido amplamente estudadas e validadas por meio de pesquisas que envolvem uma gama diversificada de participantes e métodos, a teoria dos 4 Temperamentos permanece em grande parte sem essa validação científica.

Em contraste com os 4 Temperamentos, a Teoria dos traços de personalidade têm sido amplamente estudada e validada na psicologia contemporânea. Esses fatores – extroversão, neuroticismo, amabilidade, escrupulosidade e abertura à experiência – foram identificados como traços de personalidade universais, influenciando o comportamento humano em uma variedade de contextos. A solidez das evidências empíricas em torno dos Cinco Grandes Fatores tem contribuído para a sua aceitação generalizada e incorporação em diversas áreas da psicologia aplicada.

É notável que, até o momento, as grandes revistas acadêmicas na área da psicologia têm apresentado uma notável ausência de artigos que respaldem os 4 Temperamentos. Enquanto a literatura acadêmica é repleta de pesquisas sobre uma variedade de teorias de personalidade, a teoria dos Quatro Temperamentos tem sido frequentemente relegada a debates filosóficos e históricos, em vez de serem abordados sob um escrutínio científico contemporâneo. A falta de pesquisas publicadas nesse campo indica uma falta de validação científica que é essencial para estabelecer uma teoria como um paradigma legítimo no cenário psicológico atual.

Não podem existir duas teorias ao mesmo tempo

A Teoria dos traços de personalidade contradiz fundamentalmente os 4 temperamentos, tornando difícil a coexistência dessas duas abordagens. Enquanto a Teoria dos traços de personalidade é amplamente respaldada por evidências científicas, com inúmeros artigos e estudos acadêmicos que a fundamentam, os 4 temperamentos carecem de um fundamento científico sólido.

Para esclarecer essa incompatibilidade, podemos fazer uma analogia com a teoria da Terra oca, que afirma que o planeta é oco por dentro e habitado por dinossauros. Essa teoria não pode ser considerada correta, pois entra em contradição com tudo o que a Geografia e a Física estabeleceram. Da mesma forma, os 4 temperamentos enfrentam um desafio semelhante em relação à Teoria dos traços de personalidade, já que não possuem uma base científica robusta para respaldar suas premissas.

Portanto, ao considerar a compreensão da personalidade humana, é importante dar prioridade a abordagens respaldadas por evidências científicas sólidas, como a Teoria dos traços de personalidade, em detrimento de teorias que carecem desse suporte, como os 4 temperamentos. Isso contribui para uma compreensão mais precisa e fundamentada das complexidades da psicologia humana.

Os católicos têm todas as razões para confiar na ciência, pois a história revela uma intrincada relação entre a Igreja Católica e o desenvolvimento do conhecimento científico. Ao longo dos séculos, a Santa Igreja desempenhou um papel fundamental na fundação das primeiras universidades e na promoção do modelo acadêmico de pesquisa que moldou a ciência moderna. Figuras como Gregor Mendel, o monge que estabeleceu as leis da genética, e Georges Lemaître, o padre que propôs a teoria do Big Bang, demonstram que a fé não é incompatível com a ciência.

Na verdade, a busca pela verdade, que é um valor central da fé católica, e a busca pelo conhecimento científico compartilham um objetivo comum: compreender o mundo e as leis que o regem. Portanto, os católicos podem e devem abraçar a ciência como uma ferramenta valiosa para aprofundar nossa compreensão do divino e do mundo que nos cerca.

Complexidade da Mente Humana

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A compreensão da mente humana tem sido um dos desafios mais fascinantes e intrincados ao longo da história da psicologia. A busca por categorizar e entender a personalidade humana tem levado a diversas teorias e abordagens. No entanto, essa simplificação excessiva não faz justiça à rica tapeçaria da psicologia humana, que é influenciada por uma miríade de fatores interconectados.

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A personalidade é uma construção complexa que emerge da interação entre fatores genéticos, experiências de vida, ambiente cultural e até mesmo aspectos biológicos. Tentar reduzir essa complexidade a apenas quatro temperamentos é um empreendimento que ignora a diversidade intrínseca da experiência humana.

A influência da genética na formação da personalidade é inegável. Estudos com gêmeos idênticos separados ao nascimento têm revelado que, mesmo quando criados em ambientes diferentes, esses indivíduos frequentemente compartilham traços de personalidade surpreendentemente semelhantes. No entanto, a genética não é um determinante absoluto. Ela interage de maneira complexa com fatores ambientais, moldando a personalidade de maneira única para cada indivíduo.

As experiências de vida desempenham um papel crucial na formação da personalidade. Traumas, sucessos, relacionamentos e conquistas contribuem para esculpir quem somos. Duas pessoas com traços genéticos semelhantes podem desenvolver personalidades distintas devido às suas histórias de vida únicas. Portanto, reduzir a personalidade a apenas quatro temperamentos é insuficiente para capturar a riqueza das influências que moldam a mente humana.

O ambiente cultural também desempenha um papel significativo na expressão da personalidade. Normas culturais, valores e crenças podem influenciar profundamente como as pessoas se comportam e se relacionam com os outros. Um indivíduo que cresceu em uma cultura que valoriza a coletividade pode apresentar traços diferentes de alguém de uma cultura que enfatiza a individualidade. Portanto, a diversidade cultural exige uma abordagem mais flexível para entender a personalidade humana.

Além disso, fatores biológicos, como a química cerebral e a resposta hormonal, também contribuem para a complexidade da personalidade. Por exemplo, os níveis de certos neurotransmissores estão relacionados a características como impulsividade e estabilidade emocional. Essas influências biológicas interagem com os aspectos genéticos e ambientais, criando uma teia intricada de determinantes da personalidade.

Crença Pagã

Os 4 temperamentos têm raízes que remontam à Grécia Antiga e fazem parte de uma crença pagã, o que os coloca em uma época em que as pessoas acreditavam em deuses, o que é incompatível com os valores cristãos.

É importante reconhecer que os argumentos baseados na autoridade, como a citação de padres da Idade Média que discutiram os 4 temperamentos, são insuficientes para justificar a aceitação dessas ideias em um contexto católico contemporâneo. Os tempos medievais eram caracterizados por um entendimento limitado da medicina e da psicologia, e as teorias da personalidade eram frequentemente influenciadas por crenças religiosas e filosóficas, em vez de evidências científicas robustas.

Assim como os católicos não são obrigados a acreditar em astrologia ou signos do zodíaco, também não devem considerar os 4 temperamentos como uma explicação válida para a complexa natureza da personalidade humana. A fé católica e a compreensão científica moderna podem coexistir harmoniosamente, mas é crucial distinguir entre crenças religiosas e teorias pseudocientíficas do passado que não têm mérito no contexto atual.

Perigos da Crença nos 4 Temperamentos

Acreditar na teoria dos 4 temperamentos pode ter consequências negativas. Primeiramente, ela pode levar as pessoas a se encaixarem forçadamente em categorias, limitando sua própria compreensão de quem são e restringindo sua liberdade de expressão. Além disso, a divisão das personalidades em categorias fixas pode reforçar estereótipos prejudiciais e inibir o crescimento pessoal, ao invés de promovê-lo.

A crença nos quatro temperamentos como um critério definitivo para determinar personalidades e relacionamentos está levantando preocupações substanciais. Muitos casais católicos estão enfrentando o término de seus relacionamentos com base na ideia de “temperamentos divergentes”, o que pode ser prejudicial, já que a complexidade das interações humanas não pode ser completamente compreendida por meio dessa abordagem limitada.

Além disso, a associação entre determinado temperamento e predisposições emocionais, como a tendência melancólica, está levando indivíduos a subestimarem suas dificuldades mentais, como a depressão, e a evitarem procurar ajuda profissional, acreditando erroneamente que tais sentimentos são inerentes ao seu temperamento. Isso pode agravar o sofrimento psicológico e impedir o acesso ao tratamento adequado, subestimando a importância da saúde mental.

O Paralelo com a Astrologia e o Efeito Forer

De maneira similar aos 4 temperamentos, a astrologia divide as pessoas em 12 signos, supostamente influenciados pelas posições dos astros no momento do nascimento de cada indivíduo. Cada signo possui atributos específicos que supostamente definem as características de personalidade das pessoas nascidas sob ele.

O “Efeito Forer” ou “Efeito Barnum” é um fenômeno psicológico em que as pessoas aceitam descrições vagas e amplas como sendo altamente precisas e relevantes para si mesmas. Esse efeito é muitas vezes utilizado por astrólogos e quiromantes para criar horóscopos ou análises de personalidade que parecem se encaixar individualmente, mas na verdade são vagos o suficiente para se aplicar a uma ampla gama de pessoas. Esse fenômeno é crucial para compreender a crença tanto nos 4 temperamentos quanto nos signos astrológicos.

Propagação por Coaches e Gurus

A teoria dos 4 temperamentos ganhou popularidade em parte devido à promoção por coachs e gurus do desenvolvimento pessoal, como Italo Marsili. No entanto, essa promoção não é suficiente para validar cientificamente a teoria. É importante lembrar que a formação de coachs nem sempre é regulamentada ou embasada em evidências científicas, e a adoção acrítica de tais teorias pode levar a aconselhamentos inadequados.

Como observado, a ausência de estudos sólidos que confirmem a existência dos quatro temperamentos e a incoerência dessa ideia são evidentes, assemelhando-se à realização de uma pesquisa para validar a teoria da “Terra plana”. Além disso, é importante reconhecer que abordagens mais robustas, como a teoria dos cinco grandes fatores, oferecem uma compreensão mais substancial da personalidade. No entanto, surge a questão: por que os coach’s e gurus do Instagram insistem tanto nos quatro temperamentos? A resposta é simples: essas teorias representam pseudociência.

Portanto, esses gurus têm margem para apresentar ideias arbitrárias, uma vez que não há a presença de especialistas ou estudos acadêmicos que possam contestar ou contradizer suas alegações. Caso esses influenciadores adotassem teorias respaldadas pela comunidade acadêmica, enfrentariam a possibilidade de críticas contundentes ou até mesmo ações disciplinares por parte dos órgãos regulatórios da psicologia. Isso, evidentemente, implicaria riscos, como serem enquadrados por tentativa de exercício ilegal da profissão de psicólogo.

Em resumo, a teoria dos 4 temperamentos é uma construção simplista que carece de evidências científicas sólidas para sustentá-la. A mente humana é muito mais complexa e variada do que essa teoria sugere, e a tentativa de categorizar as pessoas em quatro tipos distintos de personalidade não é uma abordagem adequada para compreender a riqueza da individualidade. A crença nessa teoria traz consigo riscos, como limitar o autoconhecimento, reforçar estereótipos e dificultar o crescimento pessoal. É essencial promover abordagens mais embasadas e cientificamente respaldadas para a compreensão da personalidade e do desenvolvimento pessoal, evitando cair na armadilha da pseudociência.

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