Luzes e sombras

. Atualizado: 13/08/2022 às 01h:42

Ele é um dos personagens fortes quando a Páscoa se aproxima. Apontamos para Judas Iscariotes e dizemos: traidor. E com razão. Ele teve toda a chance de não o ser. Conviveu com o Mestre e com outros onze Apóstolos. Viu que Jesus passou na terra fazendo o bem. Curando, ensinando, realizando prodígios. Mas jamais fez milagres em benefício próprio. Ele mesmo não tinha lugar para repousar a cabeça. Não veio para ser servido, mas para servir.

Os onze Apóstolos, que foram fiéis até o fim, deram a sua vida pelo Mestre. Judas, ao contrário, ofereceu a vida de Jesus em troca de trinta moedas.

Há um mistério em tudo isso que desafia o nosso raciocínio. Por que Judas, um dos doze escolhidos, e não um figurante da história qualquer? Nas Sagradas Escrituras aparecem vários personagens secundários que tiveram um papel de destaque (e, portanto, talvez não sejam tão secundários como pensamos). O anônimo sobrinho do Apóstolo Paulo informa o Tribuno romano de que há em curso uma conjuração para matar Paulo. Essa informação muda a história do cristianismo porque a morte prematura do Apóstolo encurtaria a sua ação apostólica e a expansão da Boa Nova no mundo pagão. Naamã, o general sírio doente de lepra já está indo embora porque, indignado, acha um absurdo a “ordem” do Profeta Eliseu para banhar-se sete vezes no rio Jordão, mas eis que um serviçal lhe diz: “O que custa tentar?” Convencido, obedece e assim ele realmente é curado.

Por isso, a pergunta que insistentemente se insinua é por que Judas Iscariotes e não um desses personagens “menos importantes”? Embora já tenha ficado claro que todos o são!

A primeira questão que surge é que realmente temos plena liberdade quando tomamos certas decisões em nossas vidas. Nesse caso, a prova disso é a fidelidade dos Onze e o seu martírio. Eles viveram as mesmas verdades, o mesmo exemplo e a mesma amizade do Mestre que Judas teve o privilégio de viver e de experimentar. Se ele não soube corresponder é porque refutou, negou o real. Negou a verdade. E diante do “sim” do irrefutável, pronunciou o “não”. Mas como os Onze ele teve plena liberdade de escolha.

Não há mais esperança? É irremediável a condenação eterna de Judas Iscariotes? Não podemos ter essa certeza. Talvez no derradeiro instante de sua vida tenha se arrependido. Afinal, ele passou muito tempo ao lado do Deus Amor. Do Deus da Misericórdia.

Na Polônia, depois da II Guerra Mundial, despertou grande comoção a conversão do Comandante do Campo de Concentração Auschwitz-Birkenau Rudolf Hoess. Comoção e, em alguns casos, indignação. Como, perguntavam alguns, Deus pode perdoar esse carrasco, responsável por milhares e milhares de mortes? Como pôde ele aproximar-se da Eucaristia?

Segue um breve relato: “No meio da cela Rudolf Hoess se ajoelhou diante do sacerdote. O padre jesuíta Ladislao Lohn colocou a Hóstia em sua boca. Então dos olhos do prisioneiro começaram a correr lágrimas. Em seguida começou a soluçar convulsivamente…” (Wirtualna Polska, em 25/08/2015). Em suas memórias Hoess disse que a maneira humana com que foi tratado (depois de tudo!) pelos guardas poloneses o fez sentir-se muito envergonhado e, ao mesmo tempo, muito comovido. Certamente, isso pesou na sua conversão.

Bernard Nathanson, que admitiu ter executado milhares de abortos é mais um que se converteu ao catolicismo. Ele e muitos outros que do descaminho encontraram o caminho de volta. Essa é, certamente, a grande questão: existe o caminho de volta. Em alemão se diz Umkehr que é para mim como quase um sinal gráfico desse processo: o retorno.

O perdão é um dos grandes mistérios da Igreja de Cristo. “Devo perdoar sete vezes? Pergunta Pedro. “Setenta vezes sete”, responde Jesus. Somos gratos ao recebê-lo, mas nem sempre dispostos a dispensá-lo.

Voltando ao personagem de Judas a humanidade continua sendo incomodada com a presença de outros Judas ao longo de séculos. O ponto culminante de sua existência ocorre na Semana Santa, mas, de certo modo, ele prefigura também os Judas da atualidade. Como que profetizados e encarnados nas pessoas que, tendo recebido tudo de Cristo, amor, carinho, amizade, em vez de retribuir com sua fidelidade O traem. Continuam traindo.

Um dos Doze. Seria uma proporção profética? Um em dez, dez em cem e assim por diante. Seria essa a “taxa” da infidelidade?  

Um padre amigo nosso disse mais ou menos isso. Se há cerca de 500.000 sacerdotes no mundo, 5000 tem um comportamento triste, deplorável. “…porque não sabem o que fazem” (Lucas, 23:34). Se soubessem! Quantas vezes o verdadeiro peso do pecado se faz sentir somente depois de cometido!

Esse padre, por sinal, é um santo. Como tantos outros que conheci em minha já longa vida. Lembro-me de um missionário polonês que adentrou as florestas do Brasil e de lá voltou fisicamente acabado. E de outro, que se arriscou a falar de Cristo na União Soviética e de lá foi expulso. São milhares e milhares de santos sacerdotes (495.000!) e é preciso que sejam lembrados. Com gratidão!

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