Li em algum lugar que 50% das obras de caridade no mundo são fruto da ação social da Igreja Católica. Hospitais, orfanatos, ambulatórios, creches etc. A preocupação e a ação social são uma realidade palpável em todos os continentes. Tenho o privilégio de acompanhar isso de perto no microcosmo da nossa igrejinha polonesa no Flamengo. A igreja é pequena, os fiéis não são numerosos e, no entanto, todo mês há uma fila de mais de sessenta famílias registradas que vêm buscar a sua cesta básica. Isso vem acontecendo em todos os quadrantes, em todas as latitudes, sem mencionar a ação anônima mundo afora de almas caridosas que não fazem parte de nenhuma instituição ou ONG ligada à Igreja. Isso vai simplesmente acontecendo e é muito animador.
Que o problema da pobreza é grave, não resta dúvida. Há milhões de desempregados, sem teto, miseráveis. Sem acesso à assistência médica. Tudo precário. Isso no Brasil, mas também no continente africano, na Ásia e em alguns países da Europa. No Brasil, infelizmente, foi batido em 2018 o triste recorde de pessoas que vivem em extrema pobreza.
Lembro de um missionário polonês que foi para o interior do Brasil e voltou de lá esquelético. Ele me contou que a prioridade naquele lugar e com aquela gente era de mantê-los vivos. E é isso que ele procurava fazer. Antes de lhes falar de Deus, ele lhes dava alimento para que pudessem sobreviver. O que, aliás, é também uma maneira de falar de Deus: pela caridade prática e concreta. De coração para coração. O Deus caritas est como testemunho. Tornando Deus presente entre os homens.
No entanto, Deus achou também outra maneira de tornar-se presente entre nós que, talvez, não é suficientemente divulgada. E, se mais divulgada, faria muito mais gente feliz.
Um jovem ateu entrou na catedral Notre-Dame de Paris para apreciar a beleza de sua arte e saiu de lá convertido. Ficou impressionado com o fervor dos fieis que lá rezavam. O som do Magnificat, cantado pelo coro da igreja, tocou o seu coração. Uma conversão súbita, profunda e definitiva. O jovem, Paul Claudel, veio ser posteriormente um dos personagens marcantes da literatura francesa dos tempos modernos. O mesmo aconteceu a André Frossard, da Academia Francesa de Letras. Bastou aos dois entrarem “inopinadamente” numa igreja.
Li um comentário de Edith Stein, Santa Teresa Benedita da Cruz, sobre esse entrar numa igreja católica. Ela pondera que não é comum isso acontecer numa sinagoga ou num templo evangélico. Mas é bastante frequente encontrar fieis nas mais simples capelas recolhidos em oração. Não apenas em catedrais ou igrejas mais importantes
Parece-me que um episódio na vida de São Josemaria Escrivá pode servir de exemplo desse pensamento da santa. Toda manhã, bem cedo, ele ia ao confessionário e lá aguardava os fieis. Ele ficou intrigado ao ouvir sempre na mesma hora um chacoalhar de latas. Um dia, saiu do confessionário e viu um homem na entrada da igreja que dizia: “Jesus, aqui está João, o leiteiro”.
João não vinha apenas a um templo de oração. Também isso, mas não somente isso. Ele vinha visitar uma Pessoa. Essa pessoa era Jesus. Para ele, o Deus encarnado. Ele lá ia porque naquela igreja Jesus estava presente. Ele vinha em busca dessa Presença.
A Eucaristia é um grande dom de Deus, que se faz presente em sua Igreja. Em milhares de catedrais, igrejas, igrejinhas e oratórios espalhados pelo mundo afora. A Pessoa de Cristo fazendo-se presente e animando João, o leiteiro a visitá-lo, antes de continuar o seu trabalho de levar leite aos lares de sua cidade. João, o leiteiro e tantos outros.
Esse personagem anônimo teve um grande impacto na vida de São Josemaria Escrivá. Seria possível afirmar, quem sabe, que João, o leiteiro, tornou assim a presença de Jesus ainda mais forte na alma e no coração do santo. Pois, ao visitar Cristo na Eucaristia, não estaria João, de certo modo o compartilhando?
Tudo isso é muito animador. Escrevo estas linhas no Advento. Tempo da grande esperança. É verdade que há coisas para lamentar. Que da parte dos homens, parece predominar uma tendência para relativizar o absoluto. De viver o dia a dia e depois nada mais. Uma fuga do espiritual (que parece tão abstrato) para o material (que parece tão concreto).
Todavia, Paul Claudel e João o leiteiro e tantos outros nos mostram uma saída, um caminho. Quando míngua o esforço do homem para tocar a mão de Deus, é Ele que vem ao nosso encontro. Derruba do cavalo a Saulo e o transforma em Paulo. Este já segue por uma nova senda, totalmente transformado. Santo Agostinho e tantos outros também.
Esse dom da Presença, o dom da Eucaristia talvez devesse ser mais divulgado. É algo que só a Igreja possui e compartilha. Esse nosso mundo (de Deus!) é iluminado por milhares de focos de luz que indicam a presença de Cristo Jesus no sacrário. Aproximar-se dessa Luz pode significar uma revolução em nossas vidas. Consciente, ou inconsciente. Pode equivaler a sair das trevas. Pode tocar numa fibra do nosso ser, até então adormecida.
O perigo é o nosso acostumar-se a lidar com o sagrado. Tudo vira rotina, a banalização do espiritual. Costume. Uma “Missa de 7º dia”.
O menino entrou na igreja
olhou para o Crucificado
sua mãe notou o terror em seus olhos
“Quem? Por quê?” queria saber
Agora, como então, entra na igreja
homens bem vestidos e senhoras perfumadas
e um sermão convincente
tornam as coisas aceitáveis
o Crucificado faz parte da arquitetura
não mais o amedronta
Mas às vezes sente saudades daquele tempo
quando Ele ocupava o centro
de suas pupilas
Bem que queria ser de novo aquele menino
não mais atemorizado, mas grato
O retorno a essa primeira visão de menino, quando não apenas olhamos, mas vemos de verdade, seria uma grande, uma imensa benção. Todavia, a graça que Paul Claudel ganhou de modo tão especial não ocorre todo dia.
No entanto, ela está, de certo modo, ao alcance de todos. O “x” da questão é como tornar isso viável. O que fazer para que o fiel indo à Missa se dê conta de que lá, naquela igreja, ele é testemunha de um grandíssimo milagre? Um milagre que se repete de hora em hora, de minuto em minuto em todo o globo terrestre?
Talvez uma breve catequese em cada Missa? Uma preparação mais profunda para a Primeira Comunhão?
O que seria lamentável é não tentar compartilhar cada vez mais com os fieis da Igreja – e no apostolado com os não crentes – esse grande Bem que somente a Igreja católica pode oferecer aos caminhantes desta para a vida eterna. É claro que a Igreja já o faz. Mas não seria possível dar à Eucaristia uma visibilidade maior? Maior ênfase?
A graça que vem de Deus de modo gratuito (como no caso de Paul Claudel), o esforço de ir à procura da Pessoa de Cristo (como no caso de João o leiteiro) e a saudade do inefável, que se manifestou no coração daquele homem-menino a partir do seu primeiro contato com Jesus Crucificado, talvez possam nos ajudar a encontrar um caminho seguro.
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